09/10/2011

Estou atrasado. Muito, muito atrasado. Estou atrasado.

Assim que saio de casa, guardo as chaves no bolso e passo pelo meu cachorro, que me late, mas estou atrasado. Estou atrasado.


Assim que abro o portão e me vejo caminhando no meio de toda aquela multidão, me dou conta de que esqueci algo. Minha pasta! Viro para voltar pra casa, quando um jovenzinho pára em minha frente, sorrindo. Não tenho tempo para sorrisos, peguei minha pasta e virei para continuar meu caminho, quando o garoto me puxou novamente. Ele pede um abraço. Ignoro, porque estou atrasado. Muito, muito atrasado. Estou atrasado.


Quando pego o ônibus, me estresso com o movimento infernal, o calor e as brigas. As coisas giram como devem girar no inferno e por isso estou horrivelmente cansado, sem mesmo ter chegado no trabalho, que espero demorar para chegar. O ônibus treme, ouço alguns choros de criança. Tudo num inferno total. Até que me levanto para ir embora, para descer no ônibus, quando uma senhora me pede para ajudá-la a descer, já que ela tem uma imensa dor nos joelhos. Ignoro-a, porque estou atrasado. Muito, muito atrasado. Estou atrasado.


Chego na empresa, meu chefe reclama do atraso, minha secretária pergunta o por que de eu ter demorado, me informa de contas, contas, contas, contas... Recebo cartas fúteis, coisas idiotas, até que me entra na sala minha esposa. Não posso atendê-la, estou extremamente atrasado. Muito, muito atrasado.


Ela me sacode, chora, grita. "Como você pode fazer isso? Cresça, vire adulto, Henrique!". Até que me entra na sala o meu filho, mas ignoro-o. Estou extremamente atrasado. Muito, muito atrasado. Estou atrasado. Acostumei-me a ficar atrasado.


Estou atrasado, mas não sei onde irei chegar. Estou atrasado, mas não sei o motivo.


Digito um trabalho rapidamente, ouvindo choros e gritos. Imprimo a folha, e, perturbado, extremamente perturbado, vou à janela de minha sala pegar um pouco de ar. Um desequilíbrio e caio do nono andar, tendo, lógicamente, morte súbita.


Ah, como estou atrasado para ouvir o latido de meu cachorro, de abraçar aquele jovenzinho, ajudar aquela senhora, ouvir meu chefe, dar atenção e conversar com meu filho e pelo menos beijar e amar minha esposa.


Agora sei por que estive tão atrasado.
Puxa vida! Como eu devia ter paciência comigo!

Texto extraído do site http://www.gostodeler.com.br/


Ao ler o texto acima me lembrei do Filme "Click". O protagonista (Adan Sandler) tenta, a todo custo, conseguir o sucesso pulando as etapas difíceis e, por conseqüência, a convivência com a família. Quando se torna um homem bem sucedido, poderoso e famoso, percebe que pulou a melhor parte de sua vida. E deixou ao amor pra depois.




Lembrei-me também do coelho Branco do filme “Alice no país das maravilhas", que pode ser a representação do próprio tempo, que sempre nos escapa, contrariando os desejos de condicioná-lo às nossas necessidades.